
Palavras-chave: Possuidor de boa-fé, Indenização por benfeitorias, Enriquecimento sem causa, Justiça social, Função social da propriedade, Construção de boa-fé
Resumo
Este artigo analisa a proteção jurídica conferida ao possuidor de boa-fé, com ênfase no direito à indenização por benfeitorias realizadas em imóveis ocupados legitimamente. São avaliadas as normas legais que sustentam esse direito e como ele se relaciona com os princípios da boa-fé objetiva, do enriquecimento sem causa e da justiça social. O estudo se fundamenta em doutrina, jurisprudência e dispositivos legais, oferecendo uma reflexão crítica sobre os desafios enfrentados pelos tribunais em garantir o equilíbrio patrimonial e a segurança jurídica.
Introdução
No direito civil brasileiro, o conceito de boa-fé é um alicerce essencial para a construção de relações patrimoniais justas e equilibradas. A figura do possuidor de boa-fé é especialmente protegida quando este realiza investimentos em um imóvel, acreditando na legitimidade de sua posse ou na legalidade da relação estabelecida. Essa proteção é expressão do princípio da boa-fé objetiva, que permeia todo o ordenamento jurídico brasileiro, impondo um padrão de conduta ético e leal entre as partes.
Este artigo tem como objetivo discutir o direito à indenização por benfeitorias realizadas por possuidores de boa-fé, a partir de um estudo sobre o arcabouço legal, doutrinário e jurisprudencial que sustenta essa prerrogativa. Além disso, busca refletir sobre como esse direito atua na promoção da justiça social e na prevenção do enriquecimento sem causa.
O possuidor de boa-fé
O possuidor de boa-fé é aquele que, ignorando qualquer vício ou defeito na posse, age acreditando legitimamente na regularidade de sua situação. Essa condição está amparada por diversos dispositivos do Código Civil, que visam equilibrar os direitos do possuidor e do proprietário, especialmente nos casos de benfeitorias realizadas no imóvel.
O art. 1.219 do Código Civil assegura ao possuidor de boa-fé o direito à indenização por benfeitorias necessárias e úteis, bem como o direito de retenção até que o ressarcimento seja efetuado. Esse dispositivo também prevê que benfeitorias voluptuárias, se não indenizadas, podem ser levantadas pelo possuidor, desde que isso não cause danos ao bem. O foco é evitar que o possuidor sofra prejuízo ao ser privado de seu investimento.
A proteção ao possuidor de boa-fé reflete o compromisso do direito civil com a justiça material. O autor destaca que, ao reconhecer o direito à indenização e à retenção, o ordenamento busca preservar situações em que investimentos honestos foram realizados com base em uma relação jurídica aparentemente regular.
Ademais, o art. 1.255 do Código Civil estabelece que, quando o possuidor edifica em terreno alheio de boa-fé, ele tem direito à indenização pelas construções ou, caso o valor da edificação supere significativamente o valor do terreno, à aquisição do imóvel mediante pagamento de preço justo. Esse mecanismo busca impedir o desequilíbrio patrimonial, garantindo que nenhuma das partes seja prejudicada.
Enriquecimento sem causa
O princípio do enriquecimento sem causa é expressamente previsto no art. 884 do Código Civil, que determina a restituição de qualquer vantagem patrimonial obtida injustamente. Essa norma é essencial para proteger o possuidor de boa-fé que, ao realizar benfeitorias ou investimentos em um imóvel, agrega valor ao bem sem receber a devida contraprestação.
O enriquecimento sem causa é uma vedação fundamental no direito civil, pois impede que uma das partes usufrua de benefícios obtidos às custas de outra sem justificativa jurídica. No contexto de posses de boa-fé, esse princípio garante que o proprietário não lucre com benfeitorias realizadas por terceiros sem oferecer a devida indenização.
A jurisprudência também reafirma essa perspectiva. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito de um possuidor de boa-fé à indenização pelas melhorias realizadas, destacando que a vedada ao enriquecimento sem causa é princípio estruturante para a solução de conflitos patrimoniais. Esse entendimento demonstra como os tribunais têm aplicado o princípio para equilibrar os interesses das partes envolvidas.
Função social da propriedade
A segurança jurídica é garantida pelo art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, que protege a coisa julgada como forma de estabilizar relações jurídicas. Quando o possuidor de boa-fé é privado de seu direito à indenização ou à retenção, ocorre uma fragilização dessa garantia, colocando em risco a previsibilidade e a confiabilidade do sistema jurídico.
Por outro lado, a função social da propriedade, prevista no art. 5º, XXIII da Constituição Federal, reforça que o uso do bem deve atender às necessidades coletivas e individuais, promovendo a dignidade e o desenvolvimento social. Nesse sentido, o possuidor de boa-fé que investe em um imóvel contribui diretamente para a realização dessa função, justificando a proteção de seus direitos patrimoniais.
Conclusão
A proteção jurídica conferida ao possuidor de boa-fé é uma expressão clara do compromisso do direito civil com a justiça social e o equilíbrio patrimonial. Ao assegurar a indenização por benfeitorias, o direito de retenção e a prevenção do enriquecimento sem causa, o ordenamento jurídico promove soluções mais justas e equânimes para conflitos envolvendo bens imóveis.
Para que essa proteção seja efetiva, é essencial que os tribunais interpretem as normas de forma a respeitar os princípios da boa-fé objetiva, da segurança jurídica e da função social da propriedade, garantindo uma atuação coerente e alinhada com os valores fundamentais do ordenamento jurídico.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
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Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp 1.334.097/MG, Relator: Min. Herman Benjamin. Julgado em 28/08/2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. 5: Direito das Coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. 4: Direito das Coisas. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
Wilian Dias Advogados