O “estado” de calamidade pública define uma conjuntura emergencial que abrange indeterminado número de pessoas. Em esfera jurídica, é providência institucional que guarnece poder ao Estado para tomar providências de urgência de forma que se possa restringir direitos e ampliar obrigações a serem exercidas em prol do bem comum.
Não há na Constituição Federal menção direta com relação as providências para enfrentar estado de calamidade, no entanto, decorrem em diversos dispositivos para que se possa, exatamente, permitir ao Estado, maior autonomia para providências e reações rápidas a fim de coibir situação de risco para uma massa populacional.
A pandemia que enfrentamos, causada pelo COVID-19, provoca extremo abalo na cadeia econômica e financeira do mundo inteiro ante a estagnação das relações comerciais. Fato qual, muitas vezes, gera a necessidade de revisão na execução dos contratos em aspecto amplo.
Cada contrato é regido por formas e normas específicas. Portanto, não implica dizer que a decretação do estado de calamidade ou decorrência de estado fortuito, que é tema que trataremos na sua especificidade, dará direito de modificação automática, e, muito menos, o seu descumprimento. Deve-se atenção, sobretudo, à boa-fé.
O efeito dominó que decorre de crise financeira não implica em dizer que todos estão submetidos aos mesmos efeitos ou que não tenham possibilidade de dar cumprimento à contratação que fora efetivada. Os cumprimentos dos contratos dependem de obrigações de fazer, de pagamento, ou, reciprocas – cada obrigação executada se faz por decorrência de outra que lhe antecede.
No próprio termo devem estar inscritas as hipóteses de imprevisão que gerariam para as partes, a impossibilidade do cumprimento, valendo-se, assim, de instrumento que permita planejamento e protocolos de conduta no caso de ocorrência de certos eventos que venham prejudicar, substancialmente, o cumprimento de obrigações de um ou outro contratante.
C.C - Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
A previsão legal que gera muita polêmica decorre do artigo citado. Caso fortuito implica em qualquer situação que estivera fora da previsão contratual de ambos os lados, a qual, venha impedir o cumprimento de uma obrigação vinculada. Força maior são eventos que superam a previsão e controle dos contratantes, em geral, por decorrência de um fenômeno natural, que também venha prejudicar o cumprimento de uma obrigação.
Pois bem, então vejamos que, mesmo diante de caso fortuito ou força maior, não é justificável o inadimplemento. Acima das situações de imprevisões, regem-se os contratos pela boa-fé objetiva. Isto é, os pactuantes devem bom senso e hombridade para execução e cumprimento dos contratos a fim de que possam alcançar sua finalidade.
421§ único - Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
O que comumente ocorre entre brasileiros é que não há boa-fé nos cumprimentos contratuais, cujas partes utilizam-se como subterfúgio o cumprimento de uma situação ou obrigação, recebimento de valores ou garantias, que sequer têm vínculos com o contrato pactuado.
Evidentemente, quem contrata deve ter o mínimo de planejamento para enfrentar qualquer imprevisão ou dificuldade financeira. Logo, vemos que não é esse tipo de situação que justifica o descumprimento contratual, que, se seguissem essa lógica, seriam infindáveis, sem a possibilidade de se fazer qualquer planejamento ou conclusão de seus objetivos com o mínimo de segurança possível.
Daí a importância de se exigir daquele que toma uma prestação contratual, geralmente, configurada pela prestação, fornecimento de serviços ou de uso de coisas, como os casos da locação, garantias para suprir o mínimo de tempo possível no que tange uma hipótese de descumprimento. Utiliza-se, então, a garantia como forma de pagamento até que seja esgotada para aplicação de cláusulas penais ou resolutórias, se, não for de opção executá-las concomitantemente.
Assim, se não couber justificativa plausível e comprovada, ainda que diante de crises, diante de inexecução de obrigações ou inadimplemento de pagamento no que toca o devido cumprimento contratual, deverão ser aplicadas as cláusulas penais e resolutórias firmada pelas partes.
Nada obsta, claro, diante de comprovada justificativa, as partes se utilizarem do bom senso e compreensão da dificuldade que enfrenta o outro para viabilizar melhores formas de cumprimento das obrigações firmadas. Nessa hipótese, caberá revisão contratual, que deverá observar a extensão da crise, condições do inadimplente para dar efetivo cumprimento aos novos termos do acordo, estipulação de novas garantias e cláusulas penais rígidas no caso de inadimplemento.
Diante do exposto, podemos concluir que o momento de crise que repercute em esfera financeira e econômica em escala global, muitas vezes não muda a possibilidade de cumprimento dos contratos. Portanto, não são renovados automaticamente, e não dão direito qualquer de descumprimento. Na pior das hipóteses, as partes devem utilizar do bom senso para estipular novas formas de cumprimento a fim de viabilizar o alcança da finalidade contratual
Wilian Dias Advogados