Palavras-chave: direito de preferência, arrendamento rural, alienação judicial, arrematação, fraude contra credores.
Resumo
Este artigo discute a aplicação do direito de preferência do arrendatário em arrematações judiciais, com base nas disposições do Estatuto da Terra e do Código de Processo Civil. A partir da análise de fundamentos legais e jurisprudenciais, busca-se esclarecer as limitações desse direito e os aspectos relacionados à segurança jurídica, fraude contra credores e o papel do registro na constituição de direitos reais.
Introdução
A alienação de bens por meio de leilão judicial é um instrumento essencial para a satisfação de créditos no processo de execução, permitindo a transferência forçada do patrimônio do devedor para quitar dívidas reconhecidas judicialmente. Contudo, quando a execução recai sobre imóveis rurais arrendados, surge a questão do direito de preferência do arrendatário na aquisição do imóvel. Este direito, previsto no Estatuto da Terra, busca garantir a continuidade das atividades rurais e proteger os trabalhadores que utilizam o imóvel como meio de subsistência.
Entretanto, a aplicabilidade desse direito em arrematações judiciais apresenta limitações importantes. Embora o arrendatário possua prerrogativa de preferência em alienações voluntárias, as vendas forçadas obedecem a regras específicas que não conferem essa mesma proteção.
Direito de Preferência no Estatuto da Terra
O direito de preferência conferido ao arrendatário pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) tem como objetivo assegurar a continuidade da atividade rural, garantindo ao trabalhador a possibilidade de adquirir o imóvel que explora em igualdade de condições com terceiros.
Contudo, essa prerrogativa aplica-se exclusivamente às alienações voluntárias realizadas pelo proprietário, e não às alienações forçadas, como ocorre em leilões judiciais. O § 3º do artigo 92 do Estatuto da Terra deixa claro que o direito de preferência surge em situações onde há a intenção expressa de venda do imóvel, sendo incompatível com a natureza coercitiva das execuções decorrentes de inadimplemento de obrigações.
Alienações Forçadas e a Arrematação Judicial no CPC
A arrematação judicial, disciplinada pelo Código de Processo Civil (CPC), é um ato expropriatório que visa a satisfação de um crédito reconhecido judicialmente. Nesse contexto, o artigo 892 do CPC não concede ao arrendatário preferência automática em leilões, mas apenas com o preenchimento das determinações previstas no artigo, reafirmando a natureza restrita do direito de preferência em alienações forçadas.
Eficácia dos Contratos de Arrendamento e o Registro na Matrícula do Imóvel
A tentativa de estender o direito de preferência a situações de arrematação pode se basear na apresentação de contratos de arrendamento. Entretanto, para que tais contratos tenham eficácia contra terceiros, é necessário que estejam devidamente registrados na matrícula do imóvel, conforme o artigo 1.227 do Código Civil. Sem o registro, a relação jurídica entre proprietário e arrendatário permanece restrita às partes envolvidas, não produzindo efeitos perante credores ou potenciais adquirentes.
Além disso, contratos celebrados entre parentes próximos e com valores irrisórios são frequentemente objeto de questionamento, devido à possibilidade de simulação com o objetivo de esvaziar o patrimônio e frustrar credores. O artigo 171, inciso II, do Código Civil prevê a anulabilidade de negócios jurídicos que apresentem indícios de fraude contra credores, sendo comum que, em execuções, sejam alegadas práticas que visem obstruir o cumprimento das obrigações.
Publicidade e Segurança Jurídica no Procedimento de Arrematação
Outro ponto relevante é o papel da publicidade no procedimento de arrematação. O artigo 889 do CPC estabelece que a intimação do leilão deve ocorrer por meio de edital, garantindo ampla divulgação e permitindo que eventuais interessados participem do certame. Após a assinatura do auto de arrematação, o artigo 903 do CPC confere ao ato o status de perfeito, acabado e irretratável, salvo em hipóteses de vícios graves, como preço vil ou irregularidades processuais. Essa regra reflete o princípio da segurança jurídica, fundamental para a estabilidade das relações patrimoniais e a proteção dos adquirentes de boa-fé.
Litigância de Má-Fé e Questionamentos Improcedentes
Ao se observar casos práticos, percebe-se que muitos litígios envolvendo arrematações judiciais surgem devido à apresentação de contratos de arrendamento não registrados ou celebrados após o início de processos de execução. Esses contratos frequentemente visam criar um cenário fictício para justificar o exercício de um suposto direito de preferência, configurando litigância de má-fé, conforme os incisos II e III do artigo 80 do CPC.
A insistência em invalidar atos processuais legítimos sem fundamentos sólidos compromete o andamento do processo e pode resultar em penalidades, incluindo a condenação ao pagamento de multas e honorários advocatícios.
A análise das decisões judiciais reforça que o direito de preferência deve ser exercido com observância estrita às normas aplicáveis e com comprovação inequívoca de boa-fé e regularidade contratual.
Em um cenário onde o contrato de arrendamento não possui registro e há indícios de simulação, o Judiciário tende a manter a validade da arrematação para proteger o credor e o arrematante.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo tem sido clara ao afirmar que "a preferência prevista no Estatuto da Terra não se estende às alienações forçadas, sendo inaplicável às arrematações decorrentes de execução judicial" (TJ-SP, Apelação Cível 1027373-53.2018.8.26.0100).
Conclusão
O direito de preferência do arrendatário, previsto no Estatuto da Terra, foi concebido como um mecanismo de proteção social, garantindo ao trabalhador rural a chance de adquirir o imóvel que explora em condições justas. Entretanto, esse direito não é absoluto e encontra limites claros nas alienações forçadas promovidas por leilões judiciais.
A ausência de registro do contrato de arrendamento na matrícula do imóvel compromete sua eficácia perante terceiros e impossibilita o reconhecimento do direito de preferência em certames públicos.
Além disso, a tentativa de invocar esse direito de forma incompatível com as disposições legais pode configurar má-fé e desvirtuar o objetivo de justiça das normas processuais. A proteção ao credor e ao arrematante de boa-fé é um dos pilares da segurança jurídica, sendo essencial que a arrematação judicial seja preservada como um instrumento legítimo e eficaz para a satisfação de créditos.
Portanto, o respeito às normas sobre registro, publicidade e exercício do direito de preferência garante a confiança nas transações realizadas em hasta pública e reforça a estabilidade das relações patrimoniais, desde que, estejam inseridas na conformidade dos respectivos dispositivos legais que as disciplinam conforme o caso em concreto.
Referências
BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Estatuto da Terra. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2025. BRASIL.
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2025. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2025. TJ-SP.
Apelação Cível 1027373-53.2018.8.26.0100. Rel. Achile Alesina. STJ. REsp nº 1.447.082/TO. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino.
Wilian Dias Advogados